Tem certos jogadores que devemos reverenciar sempre, mas em algumas épocas fica mais evidente o respeito que devemos ter por quem construiu a história vitoriosa do nosso futebol. Estamos em um destes períodos, esta é uma semana para homenagear o maior goleiro de todos os tempos, Gylmar dos Santos Neves. Isto porque, se estivesse vivo, completaria 87 anos no dia 22 de agosto e no dia 25 faz quatro anos de sua morte.
Para quem não sabe, dentre tantas conquistas alcançadas, Gylmar foi defensor da meta brasileira nos títulos de 58 e 62, foi bicampeão intercontinental e da Libertadores com o Santos de 62 e 63 e ganhou todos os títulos que disputou com clubes e seleção pelo menos uma vez. É o único goleiro, ao lado de Taffarel, a integrar o Hall da Fama da Seleção brasileira. Lev Yashin, ex-goleiro soviético tido como um dos melhores de toda história, se inspirava no goleiro brasileiro. Não foi revolucionário, mas era considerado extremamente seguro, com rara habilidade debaixo das traves, de postura elegante e com um corpo esguio, mesmo não tendo altura para os padrões atuais, com 1,81m, ganhou apelido de girafa entre os companheiros. Veja 
aqui um pouco do goleiro em ação.
|  | 
| Na foto, Djalma Santos à esquerda e Gylmar alentando o jovem Pelé, após a conquista de 58 | 
 
O arqueiro defendeu apenas três times em sua carreira: Jabaquara, Corinthians e Santos. Em 1945 começou sua trajetória no pequeno time da Baixada Santista ainda entre os juvenis. Quase sua carreira não foi para frente, isso porque ele considerava o futebol apenas uma segunda opção. Graças à falta de reconhecimento em seu emprego, ele decidiu dedicar integralmente seu tempo à vida de atleta. Ainda bem, deixamos de ter um cobrador de gelo (seja lá o que isso fazia) para ganharmos um dos primeiros nomes em excelência a vestir a camisa 1 canarinha. Tudo bem que na Copa da Suécia, em 58, ele foi inscrito com a 3, só para aumentar o cartel de histórias fantásticas do goleiro.
Foi negociado com o Corinthians em 1951, devido à contratação de outro jogador do Jabaquara, o meiocampista Ciciá. O timão queria levar o jogador de linha, mas para isso, o time litorâneo fez com que levasse o defensor no pacote. Era um bom negócio para o time da capital, já que colocava pressão em seus dois outros goleiros que não queriam renovar contrato. Gylmar não teve um começo fácil e estreou sofrendo sete gols da Portuguesa. Depois de um tempo "esquecido", o goleiro teve nova oportunidade e brilhou numa excursão que o time fez pela Europa. Foi o suficiente para se tornar titular da equipe alvinegra. Lá permaneceu até 1961. Conquistou os últimos títulos corinthianos antes do jejum de 23 anos (de 54 a 77), levou três paulistas, dois Rio-São Paulo e uma Pequena Taça do Mundo.
Durante esse período, começou a defender a Seleção em 1953, na Copa América daquele ano e a estreia só não foi melhor porque sofreu um gol na goleada de 8 a 1 para cima da Bolívia. Uma lesão no ombro o tirou da Copa, no ano seguinte. Mas sua oportunidade viria logo. No meio do ciclo, entre os mundiais da Suíça e Suécia, assumiria o posto principal de defensor das redes brasileiras e não sairia de lá tão cedo. Tanto que ficou os quatro primeiros jogos da Copa de 58 sem ser vazado, antes de presenciar duas goleadas por 5 a 2 e ver o Brasil conquistar sua primeira Copa. Quatro anos mais tarde também não sofreu gols nas duas primeiras partidas e protagonizou defesas espetaculares contra a Espanha, se tornando motivação para seus companheiros arrancarem uma virada e a retomada que daria o bicampeonato mundial, uma vez que o time não se encontrava com a perda que a lesão de Pelé tinha causado. Ainda esteve na Copa de 66, jogou duas partidas, mas perdeu espaço e viu, do banco de reservas, Eusébio e o restante de Portugal eliminar os brasileiros.
|  | 
| Gylmar com as camisas do Corinthians e do Santos, únicos clubes que defendeu além do Jabaquara | 
 
Gylmar passou a ser contestado em seu clube por causa da falta de títulos, chegou a pensar em aposentadoria precoce, mas o Santos o fez regressar para sua cidade natal, incorporando-o ao maior time de todos os tempos em 1962 e 63. Lá teve o período que conquistou mais campeonatos. Além dos já citados Mundiais interclubes e Libertadores, teve uma Recopa dos Campeões Mundiais, quatro Taças Brasil seguidas, três Rio-São Paulo, um Torneio Roberto Gomes Pedrosa e cinco paulistas, até 1969, ano que decidiu encerrar sua carreira, tanto em clubes como na Seleção. Certamente teria lugar entre os convocados de 70, mas preferiu dar espaço para novos talentos que já vinham se consolidando no cenário nacional.
Entre outras tarefas, foi observador da Seleção e administrador do Pacaembu, antes de sofrer um AVC em 2000. Ainda com metade do corpo paralisado, viveu mais treze anos. Teve uma sequência de complicações e morreu alguns dias após seu aniversário. De qualquer forma, deixou um legado gigantesco para o mundo do futebol e para desportistas do modo geral. Se portava como um cavalheiro, por isso também fazia sucesso com as mulheres fora das quatro linhas. Atleta de conduta irrepreensível, prova disso foi o Prêmio Belfort Duarte, recebido por passar pelo menos dez anos sem ser expulso de um jogo sequer. Uma referência para todos que jogam na posição mais ingrata do futebol. O cara que nasceu no dia do folclore brasileiro, entrou para história não como um conto, mas como uma lenda com honraria de duas estrelas no peito.
Coluna publicada originalmente em 22 de agosto de 2017.